Fui ao julgamento de Sócrates. Saí antes de começar em homenagem a Diogo Jota.
- Dr. João De Sousa
- 12 de jul.
- 3 min de leitura

Fui, como colaborador do Página Um, como cidadão, acompanhar a primeira sessão do julgamento de José Sócrates.
Preparava-me para ver ao vivo o homem que governou o país e que agora se defende de acusações de corrupção, branqueamento e falsificação.
Mas não fiquei. Abandonei o tribunal antes da sessão começar.
Fui para casa abraçar os meus filhos.
Naquele instante, ao ler a notícia da morte de Diogo Jota e do seu irmão, num brutal acidente na A-52, em Espanha, percebi que me encontrava no lugar errado.
Estava ali para ver o rosto vaidoso de um homem que viveu do favor e da aparência, enquanto o país perdia um dos seus maiores exemplos de mérito, esforço e humildade.A morte de Diogo Jota, e a forma como viveu, mereciam um silêncio respeitoso, não o ruído fútil de um julgamento que já não nos ensina nada — apenas nos envergonha.

Diogo Jota, filho de trabalhadores fabris, cresceu longe dos holofotes, dos esquemas e dos atalhos.
Subiu a pulso. Foi ele quem pagou para jogar - a moeda de troca foi o seu talento, o seu esforço, persistência e dedicação ao trabalho.
O Diogo que correu sem promessas, que lutou sem padrinhos.
Disse a sua mãe que o Diogo nunca lhe pediu umas chuteiras de marca. Não por falta de gosto, mas por saber que isso seria impossível - e aceitou-o com naturalidade.
Nunca exigiu. Nunca se fez de vítima. Nunca pediu dinheiro à mãe, como Sócrates confessou ter feito.
Fez-se homem sem escândalos, sem fantasmas, sem favores.
José Sócrates quis ser autor — e usou um escritor-fantasma.
Quis ser um best-seller — e pediu ao seu amigo para comprar os seus livros em massa e garantir o lugar nas prateleiras da FNAC.
Quis ser referência moral — e acabou arguido.
Viveu com luxo em Paris sem fonte de rendimento aparente, suportado por um amigo que lhe pagava casas, viagens e roupas. Viveu do brilho dos outros. Usufruiu de uma fama fabricada. Construiu um mito à custa do país e de uma teia de cumplicidades.
E ali estava eu, no mesmo espaço físico onde, por estes dias, se julga um símbolo de tudo o que de errado se fez com o poder em Portugal.

Mas do outro lado da vida, do outro lado da honra, Diogo Jota morria aos 28 anos.
Com o irmão.
Deixando três filhos pequenos. Uma mulher que lhe disse o sim há apenas 11 dias. Pais que, agora, perderam os dois filhos. Uma família arrasada. Um país em luto.
O que fazia eu naquele tribunal?
Não queria ouvir mais sobre compras fictícias de livros, apartamentos pagos por terceiros, escritores em segredo, viagens milionárias.
Quis estar onde verdadeiramente importava. Com os meus. Com os meus quatro filhos. A olhar para eles e a lembrar-me que o que conta não é o palco, mas o caminho. Não é o brilho, mas o esforço. Não é a pose, é a verdade.

Diogo Jota representa tudo o que quero ensinar aos meus filhos: que se pode ser alguém sem pedir nada; que se pode chegar longe sem trair princípios; que se pode vencer sem deixar de ser humilde. Que a honra se constrói com trabalho. Que o talento pode ser limpo. Que o sucesso pode ser justo.
José Sócrates, pelo contrário, simboliza tudo o que nunca lhes quero passar: o culto do ego, o favor dos bastidores, o logro disfarçado de inteligência, a pose vazia.
E sobretudo, representa a falta de respeito pelos outros.
Talvez por isso me tenha custado tanto ficar ali. Sentia que, ao continuar no julgamento, traía a memória de alguém que nos mostrou o caminho certo.
Hoje, Portugal perdeu um dos seus melhores – e, no mesmo dia, assisti à sombra de um dos seus piores.
E eu, no meio disto tudo, fiz o que me pareceu certo: escolhi sair. Escolhi o silêncio.
Escolhi abraçar os meus filhos.Em nome de Diogo Jota, do seu irmão e da Família de ambos.
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