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Um dia na Assembleia da República ou A Ilusão de Ser Escutado

  • Foto do escritor: Dr. João De Sousa
    Dr. João De Sousa
  • 21 de jul.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 21 de jul.

Os Pais/Peticionários
Os Pais/Peticionários
João De Sousa Consultor Forense
João De Sousa Consultor Forense

Fomos recebidos com elegância.


Cafezinho, água, palavras de circunstância: “Esta é a Vossa Casa”, disseram-nos, como se a Assembleia da República fosse mesmo a casa dos Cidadãos e não o palco cerimonial onde se encena o Poder.


Conduziram-nos pelos corredores do Parlamento como se nos acolhessem. Mas o que nos foi concedido foi apenas presença física.


Escuta real, nenhuma.


A encenação do Poder tem rituais bem definidos: recepção amável, discurso protocolar e um certo conforto cenográfico que nos faz sentir parte de um momento histórico.

Mas nada disso serve os peticionários se, ao fim de quarenta minutos, saem dali com o mesmo vazio com que entraram.

A Casa da Democracia
A Casa da Democracia

A petição "Por uma Inclusão Efetiva nas Escolas", subscrita por mais de 9.000 cidadãos e apresentada por pais de crianças com necessidades educativas especiais, merecia escuta activa e acções concretas.

Movimento por uma Inclusão Efetiva
Movimento por uma Inclusão Efetiva

Em vez disso, o que houve foi monólogo parlamentar com enfâse na autodefesa partidária.


A audiência decorreu a 15 de Julho de 2025, na 8.ª Comissão de Educação e Ciência.


Começou às 15h15. Terminou às 15h55.


Falaram dois peticionários. Os restantes escutaram com a dignidade de quem carrega uma causa e não precisa de voz alta para se fazer ouvir.


Relataram factos, estudos que elaboraram, testemunhos de discriminação, o vazio de medidas e o adiamento sistemático das respostas por parte do Estado.


Responderam-lhes com frases estudadas.


A deputada Inês Barroso (PSD) afirmou que “a inclusão não se faz por decreto, mas por ações”, e apressou-se a citar o concurso do ISCTE no âmbito do programa Pessoas 2030, sublinhando:

“O Governo está muito preocupado e não estou a dizer da boca para fora”.


O deputado Porfírio Silva (PS), também ele mais focado no que o partido fez do que no que os peticionários diziam, lembrou que “votaram favoravelmente um estudo”.


Quando o problema é urgente, respondem com um estudo. Quando o estudo chega, já o problema cresceu.

É o país onde se estuda para adiar, adia-se para esquecer e esquece-se com grande aparato democrático.

 

A peticionária, uma mãe, falou sobre anos de espera, sobre pedidos de reunião com o Ministério - solicitações ignoradas.


A deputada do PSD interrompeu-a para repor “a verdade" política.

O deputado do PS, visivelmente desconfortável, cortou-lhe a palavra com um “Temos de fazer um estudo!”.


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Como ensinava Arthur Schopenhauer, em "A Arte de Ter Razão", um dos 38 estratagemas para vencer um debate é precisamente devolver uma pergunta ou mudá-la por outra, não para responder, mas para manter a aparência de controlo.


A deputada Angélique Da Teresa (IL) reconheceu que “o modelo não promove inclusão, promove exclusão”.

Falou da urgência de equipas multidisciplinares e da falta de preparação de quem nelas participa.


Agradeça-se o tom.


Mas também ela colocou uma pergunta aos peticionários.


O deputado do Chega, José de Carvalho, saudou os peticionários com uma reverência: “Esta casa é vossa”.


Pequeno de estatura, sem grande ar de dançarino, entrou em cena com a cartilha bem decorada. Falou como fala o seu líder — "nos olhos", com a frontalidade dos convertidos, o histrionismo dos actores secundários e vários decibéis acima do razoável.


Fez o discurso que o Chega sempre faz: “Em seis anos já apresentámos muitas propostas e em breve seremos solução”.


Na verdade, nenhum dos deputados ali presentes respondeu aos pais.


Falaram para si próprios, para os registos em acta, para os clipes de propaganda. Foi uma sessão feita de declarações e auto-elogios.


Como bem escreveu Tom Nichols, na sua obra “A Morte da Competência”, “esta mistura de entretenimento, informação, comentadorismo e participação cívica é uma mistela caótica que, mais do que informar as pessoas, lhes cria a ilusão de estarem informadas”.


A audiência na 8.ª Comissão foi isso mesmo: um simulacro de participação.

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E, no entanto, os pais falaram.


Falaram como fala quem sente na pele o problema: “A educação inclusiva não é um favor, é um direito”. “As crianças não podem estar dependentes das quedas dos governos”. “Não basta ouvir-nos, é preciso agir”. “Que esta reunião não seja mais uma acta esquecida”.


Enquanto os ouvia, lembrei-me de Hannah Arendt, em "Entre o Passado e o Futuro", quando escreve, no ensaio "O que é a Liberdade?": “This capacity to begin something new [...] is what I call the ‘capacity for beginning’ — man's freedom.”.

A liberdade política não está em ocupar lugares de Poder, mas na virtude de começar, na capacidade de começar.


Ali, naquela sala fria, quem verdadeiramente começou algo foram os peticionários.

Os Pais /Peticionários
Os Pais /Peticionários

Mesmo quando o Poder se apresenta como obstáculo. Mesmo quando a sua encenação serve apenas para mostrar força, conservar posição e fingir escuta.


Recordo aqui Jean-Paul Sartre em "O Ser e o Nada": um rochedo oferece enorme resistência se eu o quiser mover, mas pode tornar-se precioso aliado se eu o quiser escalar para contemplar a paisagem.


Estes pais escalam. Não recuam, não desistem, não aceitam a mudez do Estado como inevitabilidade.


E foi precisamente enquanto desciam as escadarias da chamada Casa da Democracia que foram interpelados por alguém que não fazia parte da encenação daquela Comissão, mas que olhou com atenção: o deputado único do JPP, Filipe Sousa.


Filipe Sousa   Deputado
Filipe Sousa Deputado

Não integra a 8.ª Comissão. Não estava obrigado a saber. Mas quis saber. E soube escutar.


Disse que defende todas as ilhas — as físicas, de terra e mar e as ilhas esquecidas que este país cria dentro de si, onde vivem as crianças e os jovens com necessidades especiais e as suas famílias.


Nesse mesmo dia, solicitou informação sobre esta causa. Enquanto outros se protegiam com estudos e retórica, ele respondeu com curiosidade, humanidade e prontidão.



E eu, enquanto pai, cidadão e concidadão destes pais, com eles escalarei este rochedo.

Para juntos, ofertarmos aos nossos filhos uma nova paisagem.

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